A decisão de “sair do armário” para a família é um grande passo na vida de qualquer pessoa LGBTQ+. E fazer isso durante as festas de fim de ano, com todos os parentes reunidos, pode parecer uma boa opção para se assumir de uma vez por todas. Mas será que esse é realmente o momento ideal?
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Para quem mora longe da família, o final do ano pode ser uma oportunidade única de assumir sua sexualidade pessoalmente, e é por isso que muitas tomam essa decisão. No entanto, pessoas LGBTQ+ estão mais propensas à ansiedade e à depressão, e alguns especialistas afirmam que o estresse das festas de fim de ano as tornam vulneráveis a níveis ainda mais elevados do que o normal.
“Vemos pessoas que procuram desesperadamente por ajuda porque se assumiram durante as festas e isso não saiu como planejado”, revela Jean-Marie Navetta, diretora de aprendizagem e inclusão da PFLAG — uma organização de apoio a pessoas da comunidade LGBTQ+ e seus familiares — ao “Yahoo Life”, de onde são as informações. “Festas de fim de ano já são estressantes por si só, e podem não ser a melhor época para um ‘Você pode me passar o salpicão? Ah, e a propósito, sou gay!’”, completa.
Leve sua segurança em consideração
Jean-Marie orienta que, primeiramente, deve-se considerar as possíveis repercussões do ato em sua segurança pessoal. Segundo ela, determinar se há alguma chance de violência, expulsão ou tentativa de terapia de conversão é importante. “Esse é um fato muito real. Uma parte significativa dos jovens sem-teto são identificados como LGBTQ+ e foram rejeitados por suas famílias”, revela. E acrescenta: “Se você não tem uma rede de apoio, se você não está em um bom lugar em termos de saúde mental, se você não está se sentindo confiante ou se você não tem recursos se algo não sair bem, vale a pena esperar para se assumir, ou revelar para algumas pessoas, mas não para outras”.
O coordenador da juventude do Centro Comunitário LGBTQ+ de Nova York, Estados Unidos, Sammy Maramba-Ferell, também orienta: “Essas preocupações devem se estender à situação financeira de cada um. De quem você depende financeiramente? Quais são seus planos e opções de moradia?”. Estar ciente das possíveis consequências é importante.
Tenha uma rede de proteção e encontre aliados
“Certifique-se de que, se as coisas não derem certo, você tenha um lugar seguro para ir. Ter um ‘aliado’ para quem você possa ligar também é muito importante — alguém que estará lá para passar por essa experiência com você”, recomenda Jean-Marie.
Apesar de parecer mais fácil se assumir para a família toda de uma única vez, pode ser bom listar as pessoas que você acredita que sejam mais compreensivas e compartilhar seu segredo com elas primeiro. “Talvez um irmão, um primo, uma tia ou tio? Ou talvez um pai?” sugere Samuel Allen, chefe de pós-doutorado do Instituto Familiar da Northwestern University em Chicago, Estados Unidos. “Quem você acha que ficaria mais confortável e te apoiaria? Isso pode te ajudar a se livrar do, muitas vezes, monstro de sete cabeças que é assumir sua sexualidade”.
Prepare seus argumentos
Perguntas de familiares preocupados são inevitáveis, e é por isso que Jean-Marie recomenda se assumir com conhecimento, pesquisa, revelações e respostas — tudo em seus próprios termos. “Esteja pronto para explicar sua identidade”, diz ela. “É muito fácil para as pessoas entenderem ‘gay‘ ou ‘lésbica‘, mas elas começam a ficar confusas quando você diz ‘bi’. Certamente quando entramos no ‘trans’ ou quando passamos das letras LGBT, nem todo mundo entende da mesma maneira”.
Jean-Marie cita o exemplo de uma pessoa não-binária. “Seus familiares podem se sentir envergonhados de perguntar o que significa isso, portanto, é melhor se você facilitar para eles”. E acrescenta: “Isso também te dá a oportunidade de se definir. Se alguém tem uma ideia errada sobre o que é, por exemplo, ser bissexual, você pode explicar o que ser bi significa para você”.
Além disso, ela sugere antecipar o que é relevante para a conversa. Por exemplo, se sua família é religiosa, reconheça se isso é um provável problema e tenha uma defesa sólida preparada.
Estabeleça limites claros
Estabeleça seus limites dizendo o que você se sente confortável ou não para compartilhar e explicar. Além disso, ao se assumir para alguém, informe-os se podem ou não compartilhar a informação. “Se você se assumir para sua mãe, diga ‘Estou confortável com você contando para o papai’ ou ‘Mãe, você é a única pessoa que sabe agora e prefiro que guarde isso para si, porque quero poder controlar como as pessoas descobrirão’”, diz Jean-Marie.
Atente-se às microagressões
Você não deve aceitar situações de discriminação, mesmo que não sejam violentas. Por isso, é importante saber reconhecer microagressões. “Estamos falando de declarações passivo-agressivas ou situações em que a pessoa não entende o impacto do que ela está dizendo. Pode ser desde um gesto até te deixar para jantar por último. Existe uma vasta gama do que uma microagressão pode ser”, explica Sammy.
Também é importante controlar suas emoções e não extravasar de forma negativa frente ao que pode ser um mal-entendido. Ele continua explicando que, embora seja importante se manter firme, você deve se preparar mentalmente para esses momentos de antemão.
Trate com compaixão e empatia
Estabelecer uma atmosfera de compaixão fará com que sua família reflita o mesmo sentimento a você. “As pessoas LGBTQ+ enfrentam um tipo de fardo injusto e indevido por conta da discriminação de minorias. E quando uma pessoa se assume para seus parentes, isso se torna um caso de família. Não é mais um segredo ou apenas uma identidade pessoal. Para alguns, torna-se uma identidade familiar”, explica Samuel.
Coloque os fatos em perspectiva
Relembre quem você é e quantos anos demorou para entender isso. Depois, reflita: o receptor da sua mensagem acabou de receber essa notícia, portanto, se ele não reagir como esperado, lembre-se de que ele pode precisar de um tempo.
Jean-Marie conclui com uma mensagem de esperança: “Este é apenas o começo de algo difícil, mas maravilhoso. É o começo de cada dia se assumindo para pessoas que você não conhece. Quando eu vou ao supermercado com minha esposa, estou me assumindo para um monte de estranhos. Isso nunca passa. Então, saiba que este é apenas o começo de algo muito mais longo. Mas pode ser bastante fenomenal”.